Em 4 de fevereiro de 1961 teve início a Guerra Colonial Portuguesa, também conhecida como Guerra do Ultramar ou Guerra de Libertação, que durou até 1974. O conflito consistiu em confrontos entre o Exército de Portugal e as forças organizadas pelos movimentos de libertação das antigas províncias de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. Influenciadas pelos movimentos de autodeterminação africanos do pós-guerra, o grande objetivo das organizações de independência era a libertação do colonialismo imposto pelo país europeu.
Portugal foi o Estado europeu, detentor de colônias, que mais tarde procedeu à descolonização. Essa demora em acompanhar o movimento que se começou a acontecer logo após o fim da 2ª Guerra Mundial deveu-se a vários fatores: uns de natureza meramente política, outros de natureza económica e outros ainda de carácter histórico.
Politicamente o fato de o Estado Novo ser uma ditadura, que colheu, no plano internacional, o apoio tanto da Grã-Bretanha como dos Estados Unidos da América na fase final do conflito e na que se lhe seguiu até à criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), contribuiu para a definição de uma postura que pretendeu envolver a manutenção das colónias na luta anticomunista a que as grandes potências ocidentais se entregaram.
Economicamente subsistiu, desde o século XIX, a concepção liberal de que, perdido o Brasil, os territórios africanos seriam o sustentáculo da existência autônoma de Portugal, tese que foi reavivada antes e durante a guerra colonial com os sucessivos Planos de Fomento, traduzidos no texto da Constituição pelo desejo de esbater por completo as barreiras alfandegárias e unificar a moeda.
No plano histórico, o Governo do Estado Novo, naturalmente ultra nacionalista, soube explorar, ao longo do tempo, certos eventos e certas lembranças para recordar que Portugal havia sido o grande pioneiro dos Descobrimentos e que, por via disso, se tinha alcandorado, no século XV, a grande potência europeia. Embora sendo um país de elevada percentagem de analfabetos, do final da década de 20 ao começo dos anos 60, a instrução escolar primária e secundária foi reforçando os sentimentos nacionalistas de modo a que várias gerações de jovens reviram o passado pátrio como a imposição de trazer à "civilização" os povos estranhos com quem se havia tido contato.
Embora as associações de consciencialização política e nacional nas colônias portuguesas tenham surgido ainda no começo do século XX, o certo é que a repressão do Estado Novo e o atraso no desenvolvimento sociocultural das burguesias negras locais já na década de 50 é que fizeram despontar os movimentos que iam, realmente, dar início à contestação do domínio colonial.
Soldados portugueses nas colônias africanas durante a Guerra Colonial.
A independência das antigas colônias portuguesas deve ser entendida no contexto do mundo pós-Segunda Guerra Mundial e em plena Guerra Fria. Em 1945, com a fundação da ONU, a sociedade havia mudado sua percepção sobre a colonização diante das atrocidades cometidas. Assim, este organismo passa a fazer campanha pelo fim da colonização pelos países europeus. Desta maneira, os países imperialistas mudam o status de seus territórios. O Reino Unido reúne uma parte de suas ex-colônias na Commonwealth, enquanto França, Holanda e Portugal os transformam em províncias ultramarinas.
Por sua parte, os movimentos de independência da África eram acompanhados com interesse por Estados Unidos e União Soviética, preocupados em marcar sua influência na periferia do mundo. Afinal, a Guerra Fria consistia em captar países para a ideologia capitalista-liberal ou socialista. No entanto, havia territórios que não se encaixaram em nenhuma das alternativas oferecidas pelas suas metrópoles e entraram em guerra para garantir sua autonomia. Este foi o caso, por exemplo da Argélia, e do Congo.
Portugal vivia a ditadura de Antônio de Oliveira Salazar (1889-1970) que era contrário a qualquer concessão de autonomia aos territórios ultramarinos. Começa, assim, uma disputa entre a ONU e o governo português, o qual será pressionado por Inglaterra e Estados Unidos também. Salazar, entretanto, prefere recorrer à solução armada e inicia uma sangrenta guerra colonial em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.
Foi nesse contexto que aconteceu a chamada Guerra Colonial Portuguesa, que se desenvolveu entre 1961 e 1974, e colocou em choque as Forças Armadas Portuguesas contra diferentes grupos armados da Angola, da Guiné e de Moçambique. Do lado português, os governos de Salazar e Marcelo Caetano não aceitavam o fim da prática colonial alegando que os territórios africanos se enquadravam no conceito de nação formada por diferentes povos e diferentes territórios espalhados pelo mundo.
Em contrapartida, os povos dominados pelo governo lusitano se inspiravam nos princípios de autodeterminação e independência para exigirem a formação de nações independentes. Contudo, não sendo possível uma via de negociação pacífica, a Guerra Colonial Portuguesa teve o seu início e continuidade a partir da formação de várias frentes de luta.
Amílcar Cabral, líder da Guiné-Bissau e assassinado em 1973 durante a Guerra Colonial.
Entre as frentes independentistas na África Lusófona estavam o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) em Angola, a Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) no enclave de Cabinda, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) em Moçambique, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) na Guiné-Bissau e Cabo Verde e o Comitê de Libertação de São Tomé e Príncipe (CLSTP) em São Tomé e Príncipe.
Durante todo o período do conflito, Portugal ao mesmo tempo que se prendia na ideia de que necessitava das matérias-primas oriundas da África para seu sustento, teria que arcar com uma alta despesa com tropas para a manutenção desses territórios por vias de força, e com a saída de Salazar e com a ascensão de Marcello Caetano a mão de ferro do regime foi perdendo força. Além disso, houveram as malsucedidas tentativas de transformar militares de baixa patente em oficiais, o que severamente desagradou pessoas fortes dentro das forças armadas portuguesas.
Os anos de conflito se estenderam até 1974, ano em que a Revolução dos Cravos estabeleceu o retorno da democracia em terras lusitanas. A partir de então, abriu-se uma rodada de negociações que previa a descolonização dos territórios africanos envolvidos no conflito, o primeiro deles foi Guiné-Bissau ainda em 1974. Em 1975, o Tratado de Alvor previa a criação de um governo transitório capaz de conduzir a definitiva descolonização. Mesmo com o acordo, uma longa e sangrenta guerra civil ainda iria marcar a história destes povos.
Referências Bibliográficas:
SECCO, L. A Revolução dos Cravos. São Paulo: Alameda, 2002.
MAXWELL, K. Império Derrotado: Revolução e democracia em Portugal. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
FRAGA, L. A. A Guerra Colonial (1961-1974). Artigo publicado pela Universidade Autônoma de Lisboa (UAL) em 2007. Disponível em: https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/653/1/A%20Guerra%20Colonial.pdf. Acesso em: 14/01/2021.
Por Sérgio Amaral, historiador e host do Podcast História e Sociedade.
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