Uma decisão da Saúde Pública de pagar por cada roedor capturado, dando origem aos inúmeros compradores de "gabirus" que percorriam a cidade, só agravou a situação. Mas, em poucos meses, a incidência de peste bubônica diminuiu com o extermínio dos ratos, cujas pulgas transmitiam a doença.
No quadro das principais doenças da história da humanidade, a Peste Bubônica, indubitavelmente, ocupa um lugar de destaque. Para a maioria dos países, a palavra peste significa tanto uma doença específica, a Peste Bubônica, quanto uma série de males que por séculos assolaram as populações humanas. Tal associação se deve ao elevado número de óbitos provocados pelas epidemias no continente europeu, cuja mais impactante permanece sendo a do século XIV.
Diante desse histórico, torna-se extremamente pertinente o estudo das epidemias de peste no Brasil, sendo a do Rio de Janeiro, no inicio do século XX, uma das mais relevantes. No entanto, na historiografia relativa ao tema, a epidemia aborda apenas duas questões fundamentais: a criação do Instituto Soroterápico Federal, hoje Fundação Oswaldo Cruz, cuja principal finalidade por ocasião de sua inauguração foi a fabricação do soro para combater a Peste Bubônica no Rio de Janeiro, e a campanha de saneamento comandada por Oswaldo Cruz. Nesse período, as principais epidemias combatidas pelos órgãos públicos foram: a Febre Amarela, a Varíola e a Peste Bubônica.
Oswaldo Cruz, uma figura central na luta contra epidemias no Brasil do início do século XX.
Em outubro de 1899 a doença chegou ao Brasil, na cidade de Santos, São Paulo. Naquele momento, o porto de Santos era o segundo em importância no país e o principal escoadouro da produção de café, e rapidamente a peste se espalhou acompanhando os caminhos das estradas de ferro, chegando em apenas três meses na Capital Federal.
O Rio de Janeiro, no início do século XX, era uma cidade em transformação. Sua população crescia ano a ano, passando de 690 mil pessoas, em 1900, para 811 mil em 1906, fruto da intensa imigração européia, sobretudo portuguesa, e também de regiões economicamente decadentes do interior fluminense.
Aliada a essa expansão populacional e econômica, o porto crescia, não mais como principal exportador de café, que cabia ao porto de Santos, mas como distribuidor de produtos importados para o restante do Brasil, além de ser parada obrigatória para a navegação de cabotagem que ligava o Norte ao Sul do país.
No entanto, contrastando com esse “progresso”, o Rio de Janeiro possuía muitas características de “atraso”. A população continuava, em grande parte, se amontoando em cortiços, estalagens ou casa de cômodos na região central e portuária da cidade, onde, em geral, não existia higiene e saneamento. Nas “ruas estreitas” e nas “vielas imundas”, o lixo e o esgoto abundavam. Apesar de sua importância para a economia da cidade, o porto era considerado “pequeno” e “arcaico”; seus armazéns e trapiches eram de tamanho reduzido e estocavam as mercadorias de maneira inadequada e insalubre.
Desse modo, pode-se depreender algumas características fundamentais que facilitaram a chegada da peste à cidade e sua posterior disseminação. São elas: crescimento populacional e 703 intensa atividade comercial, aliados a uma precária estrutura de armazenamento de alimentos, saneamento e esgoto, que, ao proverem esconderijos e alimentos fartos para os ratos, facilitam o crescimento de sua população, que se espalhava pela cidade.
A peste bubônica foi a grande responsável pela criação do Instituto Butantan e da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) cem anos atrás. Chegou ao Brasil, no final do século 19, com os imigrantes europeus que desembarcavam no porto de Santos (SP) e revolucionou o conceito de saneamento e urbanização das cidades. A iminência de uma epidemia foi determinante para a implantação das duas instituições.
Para combater a peste bubônica, Oswaldo Cruz formou uma equipe especial de 50 homens vacinados, que percorriam a cidade espalhando raticida e recolhendo lixo. Criou o cargo de comprador de ratos. Oswaldo já sabia que as pulgas desses animais transmitiam a doença. No primeiro semestre de 1904, foram feitas cerca de 110 mil visitas domiciliares e interditados 626 edifícios e casas.
Os funcionários destacados para a missão eram obrigados a apresentar pelo menos 150 ratos por mês, sob pena de serem demitidos. Os que conseguiam ultrapassar a cota recebiam uma recompensa de trezentos réis por animal abatido. A Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP) também instituiu a compra de ratos: para cada animal morto apresentado, pagava-se a quantia de duzentos réis.
Como qualquer pessoa estava autorizada a vender ratos para o governo, logo surgiria uma nova profissão na cidade: a dos ratoeiros – indivíduos que corriam as ruas comprando ratos a baixo preço, para depois revendê-los à DGSP. Houve até quem se dedicasse a criar roedores em casa com essa finalidade. E não faltou quem fosse buscá-los em outras cidades. Em pouco tempo, o ofício de "ratoeiro" se transformou em num grande negócio.
Charge que ironizava a chamada "guerra aos ratos".
A “guerra aos ratos” virou motivo de deboche e piada entre os cariocas, servindo de inspiração para inúmeras charges e caricaturas, crônicas e até canções populares. Obviamente, o alvo preferido e personagem principal dessas obras chamava-se Oswaldo Cruz.
Apesar de ter caído em um ritmo mais lento do que o da febre amarela, o número de óbitos por peste bubônica na capital também experimentaria uma sensível redução, revelando o acerto da campanha empreendida por Oswaldo. Os casos fatais da doença, que em 1903 atingiram o índice de 48,74 mortes para cada 100 mil habitantes, seriam drasticamente reduzidos nos cinco anos seguintes. Em 1909, ano em que Oswaldo Cruz deixou a DGSP, esse índice chegou ao seu mais baixo patamar: 1,73. Mais uma vez, Oswaldo Cruz saíra vitorioso.
Referências Bibliográficas:
NASCIMENTO, D.R. (org). Uma História Brasileira das Doenças. São Paulo: Mauad X, 2006.
DUARTE DA SILVA, M. A. Estratégias públicas no combate à peste bubônica no Rio de Janeiro (1900-1906). XIV Encontro Regional da Anpuh - Rio Memória e Patrimônio, 2010. Disponível em: http://snh2011.anpuh.org/resources/anais/8/1276725973_ARQUIVO_resumodaAnpuh.pdf Acesso em 13/08/2020.
Por Sérgio Amaral, Historiador e Host do Podcast História e Sociedade.
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