O primeiro, assinado em 313 por Constantino e Licídio, tornava legal o Cristianismo, já o segundo, assinado por Teodósio em 380, fazia do Cristianismo a religião oficial do Império Romano.
O Cristianismo foi perseguido até o reinado de Diocleciano, e, a partir de Constantino teve liberdade de culto e, em pouco tempo, tornou-se religião dominante. Quando, no século IV, a nova religião cresceu rapidamente e multiplicou com velocidade seu número de fiéis, já não era, de fato, uma novidade, uma vez que já tinha quatro séculos de existência.
Até a sua consolidação, o Cristianismo transformou-se profundamente. Nos primeiros séculos, não passava de uma religião revelada, de uma doutrina simples, sem fundamentação filosófica, constituída por regras de moral e pela crença na salvação ditadas pelo Novo Testamento.
No entanto, evoluiu e passou a ser um instrumento de contestação da ordem vigente, entrando em conflito com os romanos pagãos. Para fazer face ao paganismo – e, portanto, aos senhores de Roma – o Cristianismo teve que encontrar um embasamento filosófico. Buscou esse suporte filosófico ao adaptar os ensinamentos do Novo Testamento aos filósofos gregos e aos seus seguidores romanos.
Reunidos em Milão, em 313, Constantino e Licínio assinam o Édito de Milão. Em resumo, o documento declarava que o Império Romano seria neutro em relação ao credo religioso, acabando oficialmente com toda perseguição sancionada oficialmente, especialmente ao Cristianismo. A aplicação do Édito fez devolver os lugares de culto e as propriedades que tinham sido confiscadas dos cristãos e vendidas em praça pública. O Édito deu ao Cristianismo (e a todas as outras religiões) o estatuto de legitimidade, comparável com o paganismo e, com efeito, desestabeleceu o paganismo como a religião oficial do Império Romano e dos seus exércitos.
O Édito de Milão tornou legal a prática do Cristianismo no Império Romano.
O Édito de Milão não transformou o cristianismo em religião oficial do império romano. Constantino proclamou pela primeira vez a liberdade religiosa como um direito da pessoa e não mais como uma liberdade coletiva de natureza étnica. Até então, nas culturas antigas, incluindo o judaísmo, cada povo devia poder prestar culto ao(s) deus (es) de seus ancestrais, segundos seus ritos ancestrais.
É sabido que, no mundo antigo, sobretudo nos séculos II e III d.C., o número de pessoas convertidas à religião cristã era bastante alto nos domínios do Império Romano. Em razão de uma gama de fatores, entre eles a não prestação de culto ao imperador (considerado deus pelos romanos), os cristãos passaram a ser brutalmente perseguidos e assassinados pelas autoridades de Roma. A situação dos cristãos no mundo antigo só passou a mudar efetivamente no século IV, quando o Império Romano já se encontrava dividido entre a porção ocidental e a oriental. Em 312 d.C., Constantino, converteu-se ao cristianismo e instituiu a tolerância a essa crença dentro do Império Romano Oriental. Constantino também convocou o Concílio Ecumênico, realizado em Niceia, que foi de fundamental importância para a definição dos dogmas. Mas a oficialização do cristianismo como religião do Império Romano só ocorreu mesmo com Teodósio, como veremos a seguir.
Alguns anos mais tarde em 380, o imperador Teodósio oficializou o Cristianismo como a religião do Império Romano. Foi esse processo de oficialização que permitiu a institucionalização do que hoje conhecemos como catolicismo. Entretanto, apesar de ter promovido essa oficialização, a relação de Teodósio com os então bispos da Igreja foi tumultuada e cheia de embates. O motivo principal era o fato de os bispos não aceitarem a sobreposição de poder que o imperador queria impor sobre a Igreja. Para compreender essa relação complexa entre poder temporal (império) e poder espiritual (igreja), é necessário que nos situemos em seu contexto.
Teodósio, por meio do Édito da Tessalônica, não apenas tornou o cristianismo oficial, mas proibiu os cultos pagãos greco-romanos, de modo que, pouco a pouco, todo o simbolismo pagão passou a ser assimilado pelo cristianismo, como a data do Natal. Entretanto, Teodósio pensava e agia como herdeiro das estirpes de imperadores e, em um caso especial, a insensatez e a fúria dominaram-lhe a razão: uma pessoa foi presa na Tessalônica, em 388 d.C., acusada de pederastia (relação homossexual entre pessoas do sexo masculino – prática condenada moralmente pelo cristianismo e legalmente pelo Império). A população (de maioria pagã) exigiu que o sujeito fosse libertado. Não ocorrendo isso, entraram na prisão, liberam-no e acabaram por linchar o general que o havia encarcerado. Em represália, Teodósio ordenou que o exército massacrasse a população de Tessalônica. Milhares de pessoas foram mortas quando assistiam às corridas de bigas no circo da cidade.
Imagem retratando o perdão concedido pelo bispo Ambrósio a Teodósio.
Após esse acontecimento, o imperador foi a Milão com o objetivo de ir à missa, celebrada pelo então bispo Ambrósio (que depois seria canonizado como santo). Ambrósio, entretanto, em um ato de coragem em defesa dos princípios de sua religião, impediu que o imperador adentrasse a igreja de Milão e disse que não admitiria a presença do imperador na missa enquanto este não se arrependesse publicamente do massacre de Tessalônica. Depois de alguns meses, o imperador, ameaçado de excomunhão por Santo Ambrósio, colocou uma veste de penitência e humilhou-se pedindo perdão pelo massacre e outros pecados cometidos. Ambrósio, com sua autoridade de bispo, absolveu Teodósio.
É importante notar que, naquela época, a Igreja procurava atender todas as necessidades da sociedade e foi se tornando responsável pela ordem. Pouco a pouco, passou a substituir o Estado, que vivia no caos característico da decadência. O Baixo Império cristão confiava dessa maneira aos bispos o prosseguimento da política tradicional do império em favor dos pobres.
Com a queda do Império Romano do Ocidente, no século V, quando os bárbaros se instalam definitivamente no Império Ocidental, o cristianismo já era religião oficial, a doutrina cristã já estava bem delineada, o Imperador do Oriente já estava investido de poder divino, a vida nos mosteiros já estava organizada e a hierarquia da Igreja já estava regrada graças à evolução do pensamento decorrente da adaptação dos filósofos gregos ao cristianismo realizado pelos “padres dogmáticos” Eusébio de Cesaréia, Basílio Magno de Cesaréia, João de Antioquia Crisóstomo, Ambrósio de Milão, Jerônimo de Estridão, Agostinho de Hipona e Leão Magno.
Referências Bibliográficas:
CARLAN, Cláudio Umpierre. Constantino e as transformações do Império Romano no século IV. Unicamp, Brasil, 2011. Disponível em: https://www.unicamp.br/chaa/rhaa/downloads/Revista11-artigo02.pdf. Acesso em: 06/11/2020.
GIBBON, Edward. Declínio e Queda do Império Romano. Trad. José Paulo Paes. 5.ed. São Paulo: Companhia Das Letras, 1989. 497p.
NETO, José Guida. A Cristianização do Império Romano e o direito. Universidade Metodista de Piracicaba, Brasil, 2011. Disponível em: http://www.cantareira.br/thesis2/ed_16/1_guida.pdf. Acesso em: 06/11/2020.
Por Sérgio Amaral, historiador e host do Podcast História e Sociedade.
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Uma vez religião oficial única, o Cristianismo perseguiu os filósofos, fechou as suas escolas, e destruiu imensas obras de arte, literatura, e templos pagãos... Só mais tarde, já consolidado, é que começou a conservar o que vinha de trás